[Resenha] Contos novos - O Diário do Leitor

24/01/2018

[Resenha] Contos novos


Totalmente diferente de Pauliceia desvairada, encontramos em Contos novos o que o título nos sugere: contos (ah vá, Pamela, é mesmo?). E confesso que agora me sentia segura em ler algo que eu já estou acostumada, pois trabalho com diversos textos do gênero em sala de aula.

Desta vez não contamos com uma introdução, pois como temos explicado na sinopse, este é um livro publicado postumamente, depois do falecimento de Mário de Andrade. Ainda acho que caberia ao editor explicar um pouco mais do processo criativo aqui encontrado, bem como esse detalhe que é apenas citado rapidamente na sinopse, convenhamos.

De cara somos apresentados ao melhor conto, em minha singela opinião. Vestida de Preto conta a história amorosa de Juca. Tudo isso começou com uma paixonite que durou dos seus três aos cinco anos, sendo substituído por um romance que abalou suas estruturas. Maria era uma prima distante, mas que frequentava sua casa com certa regularidade. Até os nove anos, ele achava que ela era apaixonada por ele. Ledo engano.

O conto seguinte é O Ladrão e confesso que foi um dos mais confusos assim que terminei a primeira vez de lê-lo. Claro que precisei de uma segunda leitura, muito mais atenta, para tentar desvendar o que Mário de Andrade quisera dispor ali nas pouco mais de cinco folhas. Depois de todos os moradores de uma vila acordarem com os gritos de “pega, ladrão!” e mesmo sem tê-lo visto, a madrugada toma um rumo totalmente diferente, pois estão todos em pânico frente o perigo iminente. No final das contas, ninguém sabe dizer se houve realmente um ladrão

À continuidade nos deparamos com um Primeiro de Maio totalmente diferente. Enquanto a maior parte da cidade se dá um dia de folga, por ser um feriado para os trabalhadores do país, o 35 teria de trabalhar, carregando as malas dos que precisassem na Estação da Luz. Mas é claro que ele não desperdiçaria um dia tão belo enfurnado naquele lugar e decide, mais que de pronto, ir atrás de algum movimento, algo diferente, que estivesse ligado ao feriado tão importante. Não é isso o que encontra pelo caminho.

Atrás da Catedral de Ruão foi um dos contos que mais me desagradou pelo simples fato de termos diversas expressões em francês, quase que em todas as páginas, tendo que recorrer às notas de rodapé toda hora para entender o que as personagens Mademoiselle, uma francesa virgem de quarenta e três anos e suas duas alunas, Alba e Lúcia, respectivamente com quinze e dezesseis anos. Elas usam o francês para falar sobre sexo com enorme frequência. Um dia, elas contam uma história para a professora, de que havia um homem atrás da catedral. Foi o que bastou para o fogo da mestra acender a ponto de querer estar ali todos os dias, em busca do que ela deseja ansiosamente.

Cochonneries inutiles.


Chegamos à metade do livro e o conto é O Poço, que vai nos mostrar a história de um fazendeiro e criador de abelhas africanas chamado Joaquim Prestes. Ele é rico, tem setenta e cinco anos e decide, um belo dia, fazer um poço em sua propriedade, tudo para guardar mais dinheiro e não colocar água encanada, logo perto do pesqueiro, que tinha em abundância. Mesmo com o frio que fazia no lugar, ele queria que os homens que contratara trabalhassem, incentivando-os jogando uma caneta e exigindo que a tirassem de lá. Esse foi o conto que mais me deu raiva, pelo desfecho final que temos. Como o ser humano consegue ser filho da boa mãe, não é mesmo?

Em O peru de Natal encontramos Juca (não sabemos se é o mesmo lá do primeiro conto) querendo comemorar o Natal, mesmo depois de cinco meses da morte de seu pai e sua mãe achando que isso era errado. Claro que a lábia dele foi maior e convenceu toda a família. Era coisa pouca. Só um peru, farofas, arroz e uma cerveja. Podemos observar aqui o quanto ele presa o bem-estar de sua mãe, que nunca comera de forma digna algo do Natal, pois ela se contentava com os restos no dia seguinte.

Juca tem treze anos quando conhece Frederico Paciência, o típico garoto pelo qual todas as meninas caem matando. Mas depois de virarem amigos inseparáveis, Frederico o beija com uma vontade nunca antes vista. Mesmo assustado, ele confessa que os dois se querem muito bem um ao outro, algo desconfortável, mas que era verdade. Claro que o lado machista dele agradeceu quando seu amigo foi para o Rio de Janeiro cursar medicina. Aos poucos eles se afastam. O que causa grande alívio a Juca, que no momento, adora a companhia das moças.

Estamos agora na reta final. Nélson estava tomando uma cerveja no bar. Os que estavam ao seu redor comentavam sobre sua vida e porque ele tem o braço repuxado, como se tivesse magicamente perdido parte da pele que o cobria. Claro que ele ficou de saco cheio e se retirou para casa. Mas ao entrar, nas paredes, encontra notícias de jornal na parede. O que serão?

E finalmente chegamos ao fim. Tempo de camisolinha mostra Juca (novamente esse nome) relembrando os tempos de criança, vestindo uma camisolinha aos três anos e com cabelos grandes, devido a uma promessa feita por sua mãe. Ele se vai para Santos com toda a família. Aí acontece o ritual de amadurecimento. Seus cabelos são cortados, mas ele se recusa a reconhecer que está crescendo. Aos poucos, ele próprio vai descobrindo meios para afastar a insegurança e se deixa crescer.

Não tenho como relatar em muitas palavras o que acontecem nos contos sem acabar deixando escapar alguns spoilers (juro que tentei, mas pode ter acontecido, haha). Mas em suma, acabei gostando mais de Contos novos do que imaginava. Podemos observar um amadurecimento nos escritos (mais em alguns do que em outros) de Mário de Andrade e a forma com a qual eles são construídos é muito boa. Com exceção do quarto conto, todos os demais foram bons.


A diagramação segue simples nesse segundo volume do Box. A capa teve uma mudança de cores, com predominância do azul. Em suma, vamos ver o que Amar, verbo intransitivo me reserva.



Contos novos
Autor: Mário de Andrade
Editora: Novo Século
Número de páginas: 144
Onde comprá-lo: Box Amazon




Sinopse: Contos novos foi publicado postumamente, em 1947, e narra relatos da maturidade artística de Mário de Andrade. Trata-se de uma coletânea de textos escritos pelo autor ao longo de sua vida, desde os primeiros momentos do Modernismo, passando pelo gênero nacionalista e pela interpretação crítica, em perder suas características artísticas e estéticas. 

12 comentários:

  1. Oi Pamela!

    Tudo bem? Mario de Andrade é maravilhoso né? Faz alguns anos que li uns contos dele e, meu Deus o cara é insanamente talentoso. Daqueles que fiquei "céus preciso de mais!".

    Que bom que gostou da construção dos contos. Eu realmente fiquei bastante curiosa para saber mais sobre essa coletânea, acredito que também vá adorar Contos Novos. É uma pena que não gostou tanto do conto do outro Juca, mas talvez eu goste do quarto conto e acredito que mesmo que não aproveite tanto ainda é algo do Mario de Andrade, não conseguiria detestar.

    Beijinhos
    www.paraisoliterario.com

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  2. Oi Pamela! Gosto muito de Mario de Andrade, e a premissa dos contos me deixou muito curiosa!
    Senti falta também de uma introdução mais detalhada sobre as inspirações do autor, mas enfim.. Adorei todas as 'sinopses' e estou com muita vontade de ler!
    Obrigada por essa dica maravilhosa!
    Bjoxx

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  3. Oi Pam,
    Olha contos não são muito minha praia, mas tenho que mudar isso. Principalmente trazendo autores como o Mario de Andrade para minha vida. Não sei em que ordem cronológica da organizado esses contos, talvez por isso você perceba essa amadurecimento neles. Mas sendo o quarto o que você menos gostou pode ser que não tenha sido pensado isso na edição do livro.

    Bjs,
    Garotas de Papel

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  4. Tive um caso de amor com Mario de Andrade no ensino médio e depois não li maios nada dele. Sua resenha e essa edição linda me deixou com saudade e já quero ler novamente.
    Beijos

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  5. Oi, Pam!
    (nossa Pauliceia Desvairada me deixou louca quando li uns anos atrás haha) Adooooro Contos Novos! É um dos meus livros preferidos do Marião porque traz uma multiplicidade nos contos que não esperava na primeira vez que li. Acho que o meu preferido é o Frederico Paciência, não tem um movito muito específico, mas realmente gostei de como a história foi se construindo. Ah! Tomara que você curta Amar, verbo intransitivo, é um dos livros que mais usava na escola quando dava aula haha
    Beijos!

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  6. O box parece ser incrível e está com ótimo preço, fiquei bastante interessado. Eu adoro contos e eles são bem variados quanto ao assunto e atmosfera. Adorei a resenha e conhecer um pouquinho do que cada um trata em sua essência, sem entregar maiores detalhes. Dica anotada, afinal é Mário de Andrade.

    *☆* Atraentemente *☆*

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  7. Olá...
    Resenha gigante, mas, muito bem escrita e nada cansativa... Parabéns!!!
    Adorei conferir suas impressões, pois, eu amo o autor, já li alguns dos contos dessa edição como O POÇO, O PERU DE NATAL, O LADRÃO, ambos amei de mais!!!
    Ainda não tenho essa edição da Novo Século, mas, pretendo comprar logo logo...
    Bjo

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  8. Olá
    Não conhecia o livro ainda, pois sou uma leitora de poucos contos, hahah
    Mas adoro o autor e com certeza iria gostar do livro também.
    Acho que o "Juca" deve ser o mesmo cara, em pontos diferentes de sua vida, senão, porque mais tanta repetição deste nome?

    Vícios e Literatura

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  9. Olá!!!
    Mário de Andrade é uma leitura mais que recomendada para muitas pessoas, porém eu não sabia deste livro do autor acho que por conta de ler muito pouco livros de contos já que só apelo para eles quando preciso sair de uma ressaca literária.
    Achei interessante que mesmo a morte do autor tenha lançado o livro, pois vale muito a pena.
    De todos os contos o que me chamou a atenção foi "Tempo de Camisolinha" rsrsrs

    lereliterario.blogspot.com

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  10. Olá! Acredita que nunca li nada do autor Mário de Andrade? Pois então! Mas lendo sua resenha e suas impressões a respeito fiquei bastante instigada e espero ainda esse ano poder ler seus contos e tirar minhas próprias conclusões (mas espero assim como você gostar, rs). Beijos!

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  11. Olá!
    Eu fiquei apaixonada nessa edição. Eu amo o autor Mário de Andrade e ainda não conhecia esse livro, então você pode imaginar que agora estou doida para comprar uma cópia para mim também, não é mesmo? Adorei a maneira que você fez a resenha, deu para conhecer muito bem um pouquinho de cada conto.
    Beijos.

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  12. Hey!

    Eu não conhecia a obra, mas fiquei muito interessada, gosto de contos, de coração, se são póstumos então.... Mario de Andrade é incrível e não há o que discutir. Sua resenha está super completa, me deu uma ideia geral de todos os contos, vou ver se arranjo um exemplar. Dica anotada.

    Beijos.

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