[Resenha] Para onde vão os suicidas?

Angelina é uma jovem que perdeu a mãe muito cedo, durante seu nascimento. Uma vida pela outra. De certa forma, ela se culpa pela morte prematura de sua progenitora, mesmo que seu pai, sua madrasta e meia irmã provem o contrário. E é num ato de extrema coragem que ela decide acabar com essa dor, cometendo o crime que, de acordo com a Bíblia, não tem nenhum tipo de perdão: suicídio.

O problema é que ela ainda está presa à Terra por um fio de vida que ainda sopra de seu corpo. E é em um mundo “paralelo” que ela conhece Ixtab, a deusa dos suicidas, responsável por guiar todos aqueles que tiram a própria vida. Entre o mundo e o submundo ela recebe tarefas que deve completar, caso queira sair daquele limbo em que se encontrava. Ela deve salvar pessoas que estão prestes a cometer suicídio. Isso tudo antes que a Morte chegue.

“— Porque vida e morte andam lado a lado. Você nasceu do falecimento de sua mãe e agora poderá trazer vida para as pessoas novamente.”

Ixtab lhe entrega um caderno, onde surgirão os nomes das pessoas que ela deve auxiliar. Quanto mais êxito ela tiver, mais rápido terá aquilo que sempre desejou: paz. E é através de sua forma espiritual que ela consegue se comunicar apenas com aqueles que deve.

O primeiro nome que aparece é o de Otávio, um senhor que estava em uma casa de repouso nem um pouco hospitaleira. Ele tinha Alzheimer e mal se recordava do que havia acontecido em sua vida, principalmente quem era a dona do rosto mais doce e que ele sempre sonhava.

O segundo nome é o de Heloíse, uma mulher francesa, mãe de uma jovem que havia morrido vítima de um câncer. A partir desse dia, nada fazia sentido em sua vida.

O terceiro foi Eloáh, uma transexual que sofria nas mãos de uma família tradicional e religiosa.

E por fim seu melhor amigo, Dante. Ou melhor, havia sido, até a fatídica noite do baile.

“Quão amargo pode ser / Quando o seu maior veneno / É o próprio oxigênio que ainda respira?” 

Cada um tem seus anseios e desejos em colocar fim em suas vidas, de formas diferentes, por motivos discrepantes entre si. Mas todos buscavam a mesma paz que ela. Engraçado... a mesma pessoa que havia resolvido colocar um ponto final em sua história salvando outros que desejavam o mesmo.  

Será que ela conseguiria alcançar tudo o que mais quis em sua vida? Será que o arrependimento chegaria alguma hora nessa sua viagem?

Houve duas vezes em que botei os olhos em Para onde vão os suicidas?: a primeira durante a Feira do Livro da Unesp (em que meu dinheiro havia acabado e não tinha nenhuma reserva para comprá-lo) e a segunda quando a Pendragon disponibilizou seu acervo da Amazon gratuitamente. Aí é claro que minha vez chegou e estou há aproximadamente quinze dias. Minha rotina de trabalho me permite pegar no Kindle apenas quando estou no transporte público, então a leitura fluiu e maneira mais lenta. E sabe que foi até bom? Consegui entender cada palavra escrita nas entrelinhas, cada sentimento ali expressado.

Só posso dizer que foi uma das melhores leituras até agora, mesmo que sua nota não tenha atingido a totalidade, devido os pormenores que irei citar no decorrer das minhas impressões.

Com certeza um dos problemas mais recorrentes em obras que abordam temas polêmicos, como suicídio, estupro, bullying, é a romantização do problema, fato que incomoda a maior fatia da população que consome esses títulos. Outro fator decisivo para um leitor continuar a leitura de um livro desses é se há ou não intuito de apenas impactar o receptor, sem haver uma ligação maior durante o desenvolvimento do enredo. Sem um envolvimento entre leitor-obra, a leitura é em vão. Felipe Saraiça fez totalmente o contrário disso, livrando nossa protagonista de amarras, julgamentos e justificativas para o que estava acontecendo em sua vida. Apenas mostrou os fatos como acontecem, de forma poética e intimista, fazendo com que enquanto lemos, possamos entrar de cabeça na narrativa. Todos os protótipos de conhecemos são quebrados. Assim como os pré-conceitos.

Acho que um dos pontos que me fez gostar muito do livro foram os capítulos curtos, mas que ainda assim conseguiram atingir seus objetivos, de forma clara e objetiva. E o que mais me desagradou foi a forma com a qual a revisão dos últimos capítulos pecou, nos entregando muitas vezes, inclusive, identificação de gênero indevida, causando estranheza para quem não estava realmente prestando atenção. Acho que isso pode ser revisto, já que é uma edição digital, mas na física isso se torna um fardo um pouco maior.

Em suma, foi uma obra muito bem aproveita e diferente do que já havia lido sobre a temática, que é profunda, tocante, mas necessária. É preciso conscientizar a sociedade e o autor faz isso de forma sutil, na medida certa. Estou curiosa por outros livros do autor e posso dizer que, por ser o primeiro que leio, atingiu todas as expectativas que eu nem mesmo tinha.

Para onde vão os suicidas?

Autor: Felipe Saraiça

Editora: Pendragon

Número de páginas: 192

Onde comprá-lo: Amazon

Sinopse: Era dezembro quando Angelina nasceu. Uma noite gélida, de ventos fortes e relâmpagos que iluminavam todo o quarto do hospital. Quase que em silencio, ela foi retirada do ventre de sua mãe que, também em silêncio, não mais respirava. A enfermeira, tão jovem e sonhadora, não sabia como lidar com vida e morte lado a lado. Seu pai, de modo mecânico e robótico, a balançava, não conseguindo contemplá-la. Seus olhos não mudavam de direção nem mesmo quando a menina iniciou seu pranto. Lá fora, a chuva caía forte, embaçando os vidros das janelas, e pintando todo o céu de cinza. Ele não chorava, apenas embalava lentamente sua filha, num ritmo quase que fúnebre, enquanto perguntava a si mesmo se seria egoísmo preferir que a criança tivesse perdido a vida e não sua noiva.