[Resenha] O escravo de Capela - O Diário do Leitor

21/02/2018

[Resenha] O escravo de Capela


Durante a Era Colonial Brasileira, mais precisamente no ano de mil setecentos e noventa e dois, uma Fazenda se destaca no cultivo de cana-de-açúcar. A Fazenda Capela é uma das mais conhecidas da região e utiliza grande mão de obra escrava para conseguir seus êxitos, tanto na lavoura quanto na produção da famosa cachaça. Seu dono é o grão-senhor Antônio Batista da Cunha Vasconcelos, cujo nome foi passado ao seu primogênito, acrescentando apenas a palavra Segundo ao final do mesmo. Seu filho mais novo se chama Inácio e é totalmente diferente do irmão. Enquanto o primeiro opta por levar adiante o trabalho da família, tornando-se muito jovem o capataz e responsável por comandar os escravos do lugar, o outro se formara em Medicina em Coimbra e pretendia voltar para residir na Inglaterra. A mãe deles fugira de casa logo após dar a luz à uma menina natimorta.

Mas Antônio Segundo não sabia medir o poder que suas mãos tinham. Matava sem dó nem piedade qualquer negro que lhe olhasse atravessado, com os mais diversos requintes de crueldade. Uma nova leva de escravos chegou à fazenda, e dentre eles estava Sabola Citiwala, que logo em seu primeiro dia de trabalho acaba açoitado por Antônio.

Com sangue nos olhos, o escravo desejava de tudo quanto era jeito fugir. E encontra nas palavras de Akili Akinsanya – um negro com mais de sessenta anos, que não se locomovia mais e conhecido como curandeiro pelos demais – a rota de fuga perfeita. Mas infelizmente ele é apanhado e morto em “praça pública”, por assim dizer. Sua perna direita fora arrancada antes e colocada num poste, para que todos ali soubessem o que acontecia com quem tentava fugir.

E foi a partir daí que a vida na fazenda mudou. Assombrações passaram a perseguir a todos. Uma sede de vingança vinda do além? Quem ali conseguiria escapar das mãos do desconhecido?

"Ele veio para acabar com essa nossa vida de escravidão [...] Não precisamos mais aguentar a opressão dos brancos"



O escravo de Capela é um livro denso e cheio de descrições minuciosas, seja da fazenda que dá nome à obra, seja nos momentos em que as vidas dos negros são ceifadas pela mão do capataz Antônio Segundo. Confesso que nessas horas eu sentia um nojo gigantesco, pelo excesso de detalhes (o que esse estômago fraco não faz, rs), mas segui firme e forte até o final porque gente, eu queria saber como que duas lendas tão perdidas do nosso folclore seriam ali dispostas.

Sim, se você está esperando apenas mais um livro que retrata a parte histórica do Brasil em que há um intenso tráfico e uso da mão de obra escrava, está totalmente enganado. Tomando como base duas grandes lendas folclóricas brasileiras, ele constrói uma trama totalmente envolvente. No início pensamos que as coisas talvez não façam sentido, e tudo acontece de forma mais lenta. Mas quando Marcos consegue chegar ao ponto em que desejava, a narrativa deslancha e quando vemos estamos nas páginas finais.

E é claro que o autor não deixou de colocar em seu enredo a religiosidade imposta pelos brancos aos negros ali chegados. Todos eram obrigados a assistir a missa, mesmo sem entender uma única palavra do que o padre dizia.

E no final das contas, uma grande história de amor, interrompida bruscamente também nos faz refletir em como isso era mais comum do que podíamos imaginar.

Sou suspeita para falar dele, pois foi algo que me prendeu do início ao fim. A diagramação é simples, mas a capa e a lombada em vermelho são totalmente chamativas, o que nos dá mais vontade ainda de conhecer o que se passa por ali. E o vermelho não é à toa. As páginas sangram.

Se você busca uma leitura suave, saiba que O escravo de Capela passa longe disso. Por muitas vezes podemos observar uma linguagem mais rebuscada, como quando Inácio fala, pois ele tinha um maior grau de instrução que os demais ali, mas nada que não fosse de fácil entendimento, mesmo para os mais leigos no assunto.

Se você quer entrar de cabeça em uma leitura, vivenciar cada pedaço, cada personagem, como se estivesse ali, do lado, este é seu livro ideal. Se você deseja conhecer mais sobre um passado brasileiro tido por muitos como sombrio, mas que infelizmente aconteceu, vá fundo. Mas lembre-se de ter estômago forte, pois as cenas descritas contam com a mesma violência que era sofrida pelos escravos na Era Colonial.


O escravo de Capela
Autora: Marcos DeBrito
Editora: Faro Editorial
Número de Páginas: 284
Onde comprá-lo: Amazon


Sinopse: Durante a cruel época escravocrata do Brasil colônia, histórias aterrorizantes baseadas em crenças africanas e portuguesas deram origem a algumas das lendas mais populares de nosso folclore. Com o passar dos séculos, o horror de mitos assustadores foi sendo substituído por versões mais brandas. Em O Escravo de Capela, uma de nossas fábulas foi recriada desde a origem. Partindo de registros históricos para reconstruir sua mitologia de forma adulta, o autor criou uma narrativa tenebrosa de vingança com elementos mais reais e perversos. Aqui, o capuz avermelhado, sua mais mais conhecida, é deixado de lado para que o rosto de um escravo-cadáver seja encoberto pelo sudário ensanguentado de sua morte. Uma obra para reencontrar o medo perdido da lenda original e ver ressurgir um mito nacional de forma mais assustadora, em uma trama mórbida repleta de surpresas e reviravoltas.

8 comentários:

  1. Oii
    Confesso que também sentiria nojo ao ler as descrições, e pavor também, saber que muitos passaram pelo que é descrito na história é horrível... Mas é claro que isso só mostra o quanto o livro é bem escrito e surpreende o leitor a cada página, eu mesma esperava uma história "mais do mesmo", já que muitos escreveram sobre as maldades cometidas contra os escravos negros. Para mim é um livro com conteúdo muito bem trabalhado.
    Beijos

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  2. Oie!!
    Tô namorando esse livro e cada vez que leio resenhas sobre ele fico encantada e ainda mais com vontade de ler, assim que eu conseguir uma oportunidade qro devorar esse livro pq o enredo me prendeu de uma maneira...Talvez seja tbm pq amo o gênero...
    Bjs!

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  3. Bem, sou bem suspeita tambám para falar, porque sou tremenda fã do autor.
    Mas devo dizer que esse livro foi uma das melhores eituras que fiz no ano passado e todo seu enredo e personagens, vez ou outra aparecem em minha mente, trazendo uma boa recordação da leitura, embora seja um livro carregado de dor, misticismo e história.
    “Acredite que você pode, assim você já está no meio do caminho.” (Theodore Roosevelt)
    cheirinhos
    Rudy
    TOP COMENTARISTA FEVEREIRO: 3 livros + vários kits, 5 ganhadores, participem!
    BLOG ALEGRIA DE VIVER E AMAR O QUE É BOM!

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  4. Olá ;)
    A Faro está cada vez mais arrasando nessas edições, é cada uma mais linda que a outra!
    Minha amiga já leu o livro e disse que amou, que a escrita do autor é super envolvente e o tema trabalhado por ele na obra foi bem pesquisado e elaborado no livro!
    Adoro conhecer mais sobre nosso passado brasileiro, então com toda certeza tenho interesse em ler. Adorei a resenha ;)
    Bjos

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  5. Olá!
    Sabe, tenho esse livro na estante mas me falta coragem para ler. Sei que a trama é bem intrigante, impactante e com certeza irá me deixa arrasada, mas espero ler em breve.

    Meu blog:
    Tempos Literários

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  6. Esse livro me chama atenção desde seu lançamento. Gosto do gênero e gosto ainda da mistura proposta pelo autor de história, folclore e terror. Acho que isso dá mesmo um elemento envolvente a narrativa, capaz de prender o leitor do início ao fim. Confesso que as cenas de violência sempre me chocam, mas estou acostumada a elas pelo histórico de leituras que tenho. Com certeza ainda quero ler o livro!

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  7. Pamela, que resenha perfeita! Parabéns!
    Já havia lido várias outras resenhas e já tinha interesse pelo livro, mas a sua resenha conseguiu me despertar ainda mais interesse. Consegui me ambientar na história e fiquei ainda mais curiosa para saber quais lendas folclóricas o autor aborda e de que forma isso faz parte da história.
    Amo livros de terror e esse deve ser um prato cheio! Confesso que meus olhos brilharam quando li que "as páginas sangram"... hehehehe
    Beijos

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  8. Uau, um livro que trata de mitos para mim é genial. Abordar um tema assim é preciso ter um grande conhecimento histórico. Com certeza esse é um livro que não pode faltar na minha coleção.

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